[Causos da Propaganda] Pescando emprego #APP80anos
[Causos da Propaganda]
Pescando emprego
Por José Francisco Queiroz
Como um rapaz recém-chegado de Ribeirão Bonito foi parar num porão promissor.
Posso bater no peito e proclamar aos quatro ventos: sou um privilegiado! Basta olhar para trás. Aos 16 anos, caipira de Ribeirão Bonito, uma pequena cidade localizada bem no centro geográfico do estado de São Paulo, perdi meu pai. Antes de começar a batalhar pela vida, como já faziam meus três irmãos maiores (eu era o caçula), pude concluir o colegial e, então, vir tentar a sorte na capital, como faziam todos os rapazes pobres ou remediados. Entra em cena Luizir Blota, sobrinho de meu pai e, como ele, pescador inveterado. Os dois organizavam grupos entusiásticos que iam atrás de peixes no rio Jacaré ou no Broa, ambos na região. Luizir levou algumas vezes com ele o Antônio Nogueira, que fora seu colega na Thompson e que ficará sócio de outras agências, a CIN. E aqui começou a minha entrada na propaganda.
Eu não tinha a menor noção do que eu poderia fazer na vida, especialmente em São Paulo. Minha mãe, sabiamente, me inscreveu em uma escola de datilografia. Deve ter pensado: em último caso, vai catar milho num escritório. Mas mamãe foi além. Recorreu a Luizir, que marcou-me uma entrevista com Nogueira. Num belo dia de 1964, mamãe me levou à sede da CNI, rua Baronesa de Itu, 605. Zelosa, ela foi junto, vejam que mãe. Nogueira atalhou a conversa. Era emprego que eu queria? Muito que bem. Existia, disse ele, uma escola chamada Escola de Propaganda, cujo vestibular ia acontecer por aqueles dias. Que eu me inscrevesse. E que passasse. Se entrasse na escola, teria o emprego. Senão, nada feito. Sem saber direito que escola era aquela – que viria a se transformar na Escola Superior de Propaganda e Marketing -, fui lá enfrentar a prova de múltipla escolha. Alguém guiou minha mão para colocar alguns X no lugar certo. Fui selecionado para a prova oral. (Ainda havia isso, vejam só!) Essa prova constou de apenas uma pergunta: por que eu queria fazer a escola? Contei a verdade, nada mais do que a verdade, sempre vale a pena dizê-la em qualquer circunstância: que era por causa da morte do meu pai, da datilografia, das pescarias (não sei por que falei delas). Fui o 89º entre noventa vagas. Feliz, porque tinha um emprego. Ainda não sabia que iria ser colega do João de Simoni, do Wanderley Saldiva, do José Cláudio Maluf, que viria a ser outro motivo de alegria. Retornei triunfalmente a CIN, com a mamãe pelos braços pois ainda tinha medo de andar na cidade grande. Nogueira chamou Nicolau Nigro, que era chefe do departamento de mídia eletrônica (o da mídia impressa era J. Waldemar Lichtenfelds). Nogueira foi curto:
– Nicolau, você não esta precisando de uma secretária?
– É verdade. Os clientes estão descobrindo a força da TV e estamos tendo mais trabalho do que no ano passado – respondeu Nicolau.
– Vou resolver seu problema. Você passará a ter um datilógrafo (apontou para mim, de braços dados com mamãe). Fique com o José Francisco e ensine mídia para ele (na época se escrevia media).
Até hoje essa última frase soa claramente na minha cabeça, temperada pela saudade dos momentos que vivi naquele porão da Baronesa de Itu.
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