Em projetos internacionais existe algo mais importante que saber outro idioma
Por Marcos Valeta – gerente de projetos no Vale do Silício e fundador do projeto Além do Kiai
Eu juro que o título não era só para você clicar! Realmente, falar outro idioma é necessário para trabalhar em qualquer tipo de projeto que envolva um país diferente do seu. Claro que será mais tranquilo se for um projeto com portugueses, angolanos ou países que falam o idioma do Brasil. Mesmo assim não será o suficiente e vou lhe dizer o motivo.
Sem perceber, ainda no Brasil, ao longo dos anos tive contato com projetos que tinham mais de um carimbo no passaporte. Ter tido a oportunidade de morar e trabalhar em outros países ampliou, e continua ampliando, a minha visão sobre esse tema que pode ser discutido e pensado por diferentes aspectos. Passa pela legislação de cada país, contratos globais, negociação de câmbio, diferentes fusos, barreiras comerciais, órgãos internacionais de apelação, dentre outros. Mas não adianta entender, falar e estudar sobre isso se você não tiver a base bem estruturada: o básico. Fazendo um paralelo com a maioria das práticas esportivas, o “básico” é sempre treinado e, quando é necessário melhorar a performance, você vai ouvir de técnicos e atletas experientes: Volte e treine o básico!
E o básico no mundo dos projetos internacionais é entender e respeitar outras culturas e pessoas. Parece senso comum que esse é o mínimo, mas sabemos que não é assim que a “banda toca” na vida real. Então eu lhe pergunto: você está preparado para isso? Se não conseguir (ou não quiser) respeitar e conviver com as pessoas ao seu redor por quaisquer motivos, você terá problemas em algum momento. É importante lembrar que, mesmo com um mundo globalizado, existem certos costumes locais que necessitam atenção. Como, por exemplo, o Shabbat* em Israel. De acordo com a religião judaica, nenhuma atividade comercial pode ser executada desde o pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol do sábado. Existe também a Golden Week** na China, que dura sete dias no mês de outubro. E, claro, o Carnaval entra nessa também. Imagine que a previsão de investimentos e cronograma estão diretamente ligados às datas onde você provavelmente não terá atividade em algum dos países envolvidos no projeto.
Muitas vezes você pode não entender em detalhes as outras culturas, e está tudo bem. Mas ter o mínimo de entendimento, e sobretudo respeito, é essencial. Da mesma forma, é importante dizer que dividir seu próprio contexto cultural é necessário também, e que deve ser igualmente respeitado, No final das contas, o objetivo é atingir lugar comum para um ambiente de trabalho saudável e eficiente.
Acredito que após o respeito, o segundo passo para benefício do seu projeto é adaptar-se a cada cultura que você venha a trabalhar. Ou culturas, se for um projeto ou time com mais de dois países envolvidos. Argentinos e japoneses têm costumes diferentes, você bem sabe.
Para exemplificar melhor a importância do respeito e da adaptação, vou contar duas situações diferentes que aconteceram comigo durante videoconferências, com Singapura e Japão, onde eu era responsável pelo contato e gerenciamento de projetos na época.
Na primeira delas, eu me lembro que mesmo com a diferença de fuso horário – eu nos Estados Unidos, às 18h30, e o time de Singapura às 9h30 do outro dia – eu sempre entrava animado. Na minha segunda reunião, eu me lembro claramente de dizer sorrindo: “BOM DIA! Está tudo bem? Como foi o final de semana?”. E recebi de um membro do time um seco e respeitoso: “Bom dia. Tudo bem. Estou ocupado”. Esse ocupado era com um dos projetos que eu estava gerenciando, aliás. Meu cérebro demorou alguns milésimos de segundos para digerir e responder respeitosamente no mesmo tom: ”Que bom que você está ocupado, sinal que não vamos ter atraso no projeto”. Minha abordagem cheia de energia não era algo que eles estavam acostumados, assim como eu não esperava uma resposta seca, cortando qualquer interação humana. Depois de um tempo ficou tudo certo, aprendemos e achamos nosso equilíbrio para trabalhar juntos.
A segunda situação aconteceu na minha primeira reunião com um time do Japão. Fiquei muito feliz em trabalhar com eles, mas não por ser um projeto internacional. Tinha a ver com minha história pessoal com o Japão e os japoneses, depois de praticar anos de caratê. Eu me preparei muito para gerar empatia com esse time e criei um “arsenal” para isso. As principais ideias que passaram na minha mente, e se comprovaram corretas durante essa e as demais reuniões, foram:
- A maior colônia japonesa é no Brasil;
- O povo japonês é tão louco por futebol como o brasileiro. Obrigado, Zico-sam;
- Eu já conhecia os honoríficos de “sam” e “sama”***, muito importantes culturalmente e no ambiente de negócios;
- Olimpíada era outro assunto que poderia comentar de maneira sutil;
- E claro, falei sobre caratê e disse algumas palavras em japonês e ouvi um “Obrigado”.
Usei todos os assuntos em algum momento, com atenção especial em sempre terminar o nome de cada pessoa com “sam” ou “sama. Aí você vai me perguntar: Pô, Valeta! Não fez isso com Singapura? Fiz, sim, mas com outros tópicos, mas o resultado demorou mais para chegar. Não existe fórmula quando falamos de interação humana.
Tudo o que falamos aqui foi sobre respeito, adaptação, comunicação, educação, curiosidade, pesquisa, planejamento, negociação e criação de empatia. Esses elementos vão permear todo o relacionamento entre os participantes de qualquer iniciativa, envolvendo pessoas que vivem em lugares diferentes, com histórias diferentes, mas podem aprender e ensinar uns aos outros ao mesmo tempo em que trabalham.
Ah, se você quiser saber mais sobre gestão de projetos internacionais, e saber de mais histórias, meu curso de Gestão de Projetos e Pessoas vai rolar no mês de julho e as inscrições estão abertas. #MomentoJabá.
Obrigado, thanks, gracias, ありがとうございます, dankie .תודה, grazie, ngiyabonga.
Valeta
Bibliografia
* https://www.significados.com.br/shabat-shalom/
** https://www.allog.com.br/blog/golden-week-na-china/
*** https://www.aulasdejapones.com.br/os-honorificos-do-japones/
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