O que sua agência publicitária precisa saber para comunicar o ESG
Entrevista com Ricardo Voltolini, fundador e presidente da Ideia Sustentável
Você sabe o que as empresas com a maior reputação e valor na bolsa de valores têm em comum? Elas praticam o ESG. Um levantamento realizado pela Knewin apontou as 20 empresas mais citadas na imprensa brasileira quando se fala de diversidade e bem-estar da equipe, sendo Magazine Luiza, Suzano, XP Investimentos, Carrefour e BlackRock as 5 primeiras.
E o ESG também está na mira dos consumidores. Segundo pesquisas da Global Consumer Pulse, 83% dos clientes preferem as marcas que possuem propósitos definidos e que se posicionam a respeito de pautas ambientais e sociais.
ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa, em português) é uma maneira de medir as práticas de uma empresa e seus impactos ambientais e sociais. O conceito ganhou popularidade durante a pandemia, quando marcas e consumidores foram obrigados a se adaptar a uma nova situação, devido às incertezas do futuro, alterando seu modo de produzir e consumir.
Por essa razão, o ESG tem garantido seu espaço na mídia e na agenda das empresas. Em um cenário de clientes cada vez mais atentos e exigentes, saber comunicar o ESG é extremamente importante para conquistar novos consumidores, fidelizar os atuais e manter a transparência da empresa.
Entrevistamos Ricardo Voltolini, fundador e presidente da Ideia Sustentável, para falar sobre o papel da comunicação no ESG. Nessa conversa, você vai entender por onde começar a praticar o ESG e sua importância, a atuação das agências publicitárias e a melhor forma de comunicar o conceito.
O ESG tem sido muito comentado atualmente. Por onde uma empresa que ainda está aprendendo sobre o conceito deve começar a adequar suas práticas de acordo com o ESG?
Inicia-se o processo com uma lição de casa básica: identificar corretamente as principais externalidades sociais, ambientais e de governança. Externalidades correspondem aos impactos do negócio sobre as pessoas e o meio ambiente. São os chamados grandes temas de sustentabilidade ou temas materiais. Claramente definidos, a empresa precisa estabelecer objetivos estratégicos em cada um deles: estratégias, metas e métricas para avaliar a evolução de suas ações.
Nas organizações, quem deve dar o primeiro passo para começar a desenvolver o tema e como trabalhar para que toda a empresa esteja atuante em relação ao tema?
As áreas de Operações, Recursos Humanos, Comunicações e Relações com Investidores costumam iniciar o processo. Defendo a integração estratégica do setor de RH porque é dele, normalmente, a função de fomentar a cultura organizacional nas empresas. Qualquer área, no entanto, pode provocar uma dinâmica de reflexão sobre ESG. A experiência mostra, no entanto, que o movimento não avança se não houver uma participação efetiva do CEO e de todo o C-Level, não só “abrindo espaço” para as ações, mas tomando a frente como porta-vozes ativos. Mostra ainda que, quando há um plano ou uma estratégia, claramente estabelecidos, com diretrizes, objetivos estratégicos, ações, metas, métricas e compromissos públicos, os colaboradores tendem a se envolver e contribuir mais. Com a ascensão do ESG a uma condição mais estratégica, o Conselho de Administração tem tido papal cada vez mais protagonista nesse processo.
Qual o papel das agências publicitárias em relação ao tema ESG?
As agências têm um papel importante em comunicar o posicionamento e os compromissos públicos de ESG das empresas. São especialmente necessárias em traduzir princípios, valores e crenças em mensagens que mudem favoravelmente a percepção de valor dos diferentes stakeholders. No entanto, sua participação deve se dar preferencialmente após a empresa cumprir os objetivos com os quais se comprometeu, após realizar suas ações e apresentar resultados concretos. Do contrário, pode incorrer na elaboração de mensagens imprecisas, vagas, descontextualizadas e, portanto, enganosas, praticando, ainda que, involuntariamente, o chamado greenwashing. O greenwashing ocorre quando, apesar de manter um discurso coerente com o ESG, a marca se comporta na prática de modo contrário e, portanto, incoerente com aquilo que prega. A melhor comunicação em ESG é aquela que vem respaldada em evidências, verdade e coerência.
O consumidor hoje está muito mais crítico e exigente. De que modo a não adequação do comportamento da empresa às práticas ESG afeta a marca?
Sim, é fato que os consumidores (principalmente os das gerações Millenials e Z) estão, não só mais críticos, como mais atentos a como as empresas tratam as questões de ESG. Isso vale também para o modo como comunicam suas práticas ambientais e sociais. Diferentes estudos atestam que os assuntos do universo ESG têm peso cada vez maior na reputação de empresas. Isso significa, na prática, que as empresas precisarão ser crescentemente rigorosas no exercício do chamado “walk the talk.” Serão cada vez mais cobradas a comunicar exatamente o que fazem, sem hipérboles, sem auto-elogios absurdos, sem afirmações que não possam ser confirmadas por fatos concretos.
Qual a hora certa de comunicar o ESG?
Essa “hora certa” varia de empresa para empresa. O momento ideal é aquele em que a empresa estiver convicta de que tudo o que utilizar em seu discurso de comunicação terá o respaldo de evidências. O momento certo será aquele em que a empresa também tiver respostas concretas para dilemas que vive, às vezes há muito tempo, seja por conta de produtos e processos controversos, seja por causa de escolhas anteriores equivocadas ou passivos socioambientais não devidamente quitados ao longo dos anos. Regra geral, como já enfatizei, comunicação vem sempre depois da “lição de casa bem-feita.”
Há casos de empresas que falam mais do que fazem, o chamado greenwashing. Qual a consequência do greenwashing para a empresa?
O greenwashing equivale a uma mentira. Como o agravante, na visão do consumidor, de que é utilizado para vender um compromisso socioambiental que a empresa não possui. Ou pior: para encobrir práticas ruins das quais a empresa não quer abrir mão. Em um mundo interconectado como o que vivemos hoje, o greenwashing costuma ter resposta rápida e contundente nas redes, normalmente com prejuízos para a reputação e o ambiente de negócios das empresas.
O greenwashing muitas vezes é feito de forma inconsciente. Na hora de comunicar as práticas da empresa ao consumidor, como evitá-lo?
Só consigo entender o greenwashing se cometido de forma inconsciente. Como um erro de cálculo motivado por pressa ou desconhecimento das complexas e sensíveis questões que cercam o universo de temas do ESG. Ou então seria forçado a duvidar da inteligência dos planejadores e criadores de comunicação. Evitar o greenwashing pressupõe adotar o princípio da precaução, orientando-se por três perguntas-chave: (1) Ao destacar determinados atributos socioambientais, estou sendo preciso, justo, pertinente, honesto e equilibrado nos adjetivos, nas metáforas, nas comparações? (2)Tudo aquilo que ressalto na mensagem de comunicação pode ser comprovado por práticas, fatos e evidências? (3) Existe alguma contradição notória, de conhecimento do público, entre o que está sendo comunicado e o histórico comportamental da empresa (produtos controversos, atitudes públicas condenáveis, escândalos ambientais, passivo ambiental não devidamente endereçado)?
Uma das preocupações atuais do mundo é a possível falta de recursos para produção. Como aumentar as vendas e o lucro da empresa de uma forma sustentável?
Este é um dilema central nesse debate. Sem respostas prontas e definitivas. Mas com posições às vezes completamente divergentes. A defesa mais purista de que deveríamos produzir menos, em respeito aos limitados recursos naturais, parece não combinar com teses como a do crescimento econômico, prevalente no mundo ainda que sob crescente desconfiança, e também com o natural impulso do sistema econômico vigente para gerar riqueza a partir de maior produção e venda de produtos e serviços. Por hora, a ideia mais aceitável, de parte a parte, tem sido a de produzir e consumir de um modo mais ético, transparente, responsável, íntegro e respeitoso em relação às pessoas e ao meio ambiente.
Como uma empresa que agiu incorretamente no passado, mas que agora se comporta de acordo com práticas ESG deve comunicar essa mudança para os consumidores?
Com verdade e transparência. Não basta apenas fazer mea culpa. Não é suficiente reconhecer erros e omissões, embora este seja um primeiro passo importante, desde que autêntico e respaldado em fatos. É preciso mostrar, com práticas, inovações, investimento, metas ousadas e compromissos públicos ambiciosos, que a empresa deseja de verdade não só zerar os seus impactos, mas regenerar comunidades e ecossistemas que um dia negligenciou.
O conceito de ESG não está sendo comentado à toa, ele é muito importante para o cenário em que vivemos atualmente. Entretanto, não apenas as empresas devem tomar cuidado com suas ações. De que modo as marcas podem incentivar os consumidores a se comportarem de forma ambientalmente e socialmente responsável?
Penso que as marcas tenham, de fato, um papel educacional nesse momento de transição de uma economia baseada no “business as usual” para uma economia de baixo carbono e menos intensiva no uso de recursos humanos e naturais. Algumas já têm se dedicado a essa prática com bons resultados. Recentemente, temos observado marcas adotando campanhas que valorizam a diversidade e inclusão, em oposição a um discurso médio machista, racista e homofóbico no Brasil. Na mesma linha, vemos com grande entusiasmo marcas deixando de anunciar em programas/apresentadores que estimulam o preconceito, a intolerância e a mentira. Durante a pandemia, não foram poucos os casos de empresas que utilizaram sua comunicação para mobilizar e engajar pessoas em torno de ações de cuidado, empatia e solidariedade. Já começam a surgir casos de empresas orientando os seus consumidores a comprar produtos que não prejudicam pessoas ao longo da cadeia de valor, que não desmatam a Amazônia, que não colocam em risco a segurança alimentar ou que não destroem rios e oceanos. Um dos principais legados da pandemia foi justamente tornar claro que as empresas não podem mais deixar de incorporar, em suas escolhas e decisões, as demandas mais urgentes da sociedade. ESG não é apenas um protocolo. É uma visão de mundo, um novo jeito de pensar e fazer negócios.
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