ARTIGO: Como fica a Cultura Empresarial em tempos de home office?
Quando comecei a trabalhar, e lá se vão muitos anos, era comum em toda empresa, pequena ou grande, um quadro de “Missão, Valores e Visão” pendurado na parede da recepção. Isso, de certa forma, ajudava todos, incluindo visitantes, a terem uma noção dos princípios da empresa. Esses princípios, quando bem aplicados, geravam o que se chamava então de Cultura Empresarial ou Cultura Organizacional.
À medida que fomos evoluindo empresarialmente e que o Brasil foi crescendo na produção industrial e no setor de serviços, o quadro na parede e as ações empreendidas pelos grupos dirigentes dessas empresas já não eram suficientes para atingir, por exemplo, os objetivos propostos de integração e reforço dos valores. Veio, então, a necessidade de um aprimoramento, ou incremento, levando as empresas a criarem núcleos que, hoje, chamamos de Recursos Humanos. Houve também investimentos, com a contratação de consultores externos para o reforço dessas crenças, cujo trabalho era feito diretamente com os funcionários através de palestras, workshops etc.
O investimento das empresas na área de Recursos Humanos foi crescente desde então. E os desafios também. Como fazer para manter uma forma de comunicação na empresa para atender a tanta demanda e tantos objetivos? Um dos principais desafios estava relacionado, e ainda está, ao posicionamento das pessoas, especialmente dos jovens, que não aceitavam o modelo de relação patrão/empregado que vigorava até então. Hoje, eles são críticos quando os princípios da empresa não atendem de fato ao que se propõe e, principalmente, quando esses princípios vão de encontro aos seus desejos. O conceito de emprego vem mudando e continuará mudando.
A relação empregatícia tem hoje outro significado. Até então, os empregados tinham como objetivo profissional alcançar altos postos nas empresas, garantindo o futuro financeiro. Era comum pessoas trabalharem para apenas um empregador. Entravam naquela empresa e nela se aposentavam. Isso acabou. Nem presidentes ficam mais tanto tempo na mesma companhia. Além disso, temos o crescimento do empreendedorismo. Pesquisas mostram que quase metade dos estudantes do ensino superior tem como objetivo empreender.
Sabemos que a parte mais sensível a ser trabalhada na empresa é a que envolve a relação com as pessoas, especialmente com os funcionários mais jovens, que preferem trabalhar somente em empresas que atendam às suas aspirações. Algumas dessas aspirações estão confirmadas por pesquisas. Por exemplo: querem liberdade, querem se sentir parte da empresa, querem ser ouvidos, querem oportunidade de crescimento pessoal e profissional, querem empresa comprometida com a diversidade, inclusão e ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês), querem transparência, autonomia, capacitação, metas claras, remuneração à altura da sua capacidade e, principalmente, querem trabalhar em uma empresa ética.
Sabemos também que o clima organizacional, a cultura, os valores, os princípios, os objetivos e, consequentemente, o sucesso de uma empresa está alinhado com os princípios, os desejos e o comportamento dos donos, que são os difusores desses objetivos. Nenhuma empresa consegue estabelecer seus objetivos por decreto ou por simples boa intenção. O clima, os princípios e os objetivos são difundidos por meio de atitudes. Em uma empresa, só acontecem coisas que os donos desejam se forem eles os primeiros a darem o exemplo.
O clima organizacional e o sucesso de uma empresa estarão, portanto, sempre e diretamente relacionados ao “jeitão” de seus sócios e dirigentes e a quanto eles estão se esforçando para atingir esses objetivos. Para criar cultura e valores, é preciso saber o que se quer. O que fazer então? Eu deixaria de lado o conceito de “Missão, Visão e Valores”, o que, aliás, muitas empresas já fizeram, e estabeleceria algo mais concreto e de fácil percepção e difusão. Talvez uma carta de princípios (ou o nome que se dê), onde poderiam ser incluídos objetivos e desejos diversos, como:
- Ter um produto ou serviço de primeira qualidade.
- Ter o cliente como peça fundamental no desenvolvimento e sustentação da empresa.
- Praticar, de fato, os princípios do ESG.
- Acreditar e investir em diversidade, inclusão e igualdade de gênero.
- Não ter vergonha do lucro, afinal, o objetivo de uma empresa é, entre outros, o lucro.
- Ser uma empresa ética.
- Criar oportunidades de crescimento para todos os funcionários.
- Zelar para que a comunicação interna flua sem censura.
- Ter uma equipe de primeira linha e remunerar essa equipe com médias salariais acima do mercado.
- Distribuir parte do lucro anual entre os funcionários, como forma de reconhecimento.
- Respeitar as pessoas, independentemente de seu cargo, função, ideologia, sexo ou idade.
- Fortalecer relações de confiança nas equipes para se criar uma cultura de conflitos construtivos, evitando com isso a chamada “harmonia artificial”.
- Ser uma empresa que pratica a transparência e o direito de todos terem voz ativa.
- Ter os funcionários como o ativo mais importante.
- Investir em dirigentes comprometidos com os princípios da empresa e com capacidade de interação com os funcionários.
- Criar ambientes onde os funcionários se sintam parte do negócio.
- Estabelecer metas claras, objetivas e críveis, para evitar frustrações.
- Zelar por um ambiente leve, alegre e sadio.
- Gerar condições para que os funcionários sintam orgulho de pertencerem à empresa.
Definidos esses objetivos e outros que a empresa julgar necessários, os sócios devem analisar se todos eles, sócios, estão de acordo com o que foi definido e acreditam em tais objetivos. A partir da crença e do consenso, fica mais fácil a disseminação na empresa. Os principais dirigentes são peças fundamentais e devem participar já nessa fase de preparação dos princípios.
Houve consenso? Mãos à obra.
Ops! mãos à obra? Como?
Bem, até 2020 as empresas tinham uma certa expertise para lidar com essas demandas. A partir de então, tudo ficou mais difícil, pois, por conta da pandemia de covid-19, boa parte das pessoas passou a trabalhar de casa e, em seguida, no sistema híbrido, indo à empresa em apenas alguns dias da semana. Como os horários são flexíveis, às vezes elas nem conseguem ver ou falar com os colegas. Ainda hoje, temos muitas empresas com seus funcionários trabalhando 100% do tempo em regime remoto, ou seja, em casa. Mesmo aquelas que implantaram o sistema híbrido mantêm parte dos funcionários em regime 100% home.
Esse regime de trabalho pós-pandemia, ao que parece, veio para ficar. Portanto, a tendência de um funcionário trabalhar dois ou três dias no escritório, com horários flexíveis, e os demais dias em casa já não surpreende mais. Sendo assim, como as empresas vão incrementar ou disseminar seus princípios e objetivos, gerando um clima organizacional saudável e integrativo? Não será uma tarefa fácil, já que muita coisa do que se fazia até então provavelmente não funcionará mais.
Portanto, as empresas vão precisar ser muito mais criativas e, com certeza, se cercar de assessorias especializadas nesse novo modelo. A tecnologia vai ajudar? Para algumas ações, com certeza. O desafio maior será transmitir esses conceitos aos funcionários que aparecem só de vez em quando no escritório e, principalmente, àqueles que trabalham 100% do tempo em casa. Estamos operando nesse novo modelo há menos de cinco anos. Portanto, não sabemos ainda as consequências para as empresas com relação à imagem, à qualidade do produto ou serviço e ao relacionamento interpessoal, clima organizacional etc.
O mundo vem se transformando numa velocidade espantosa em cultura, tecnologia, relacionamentos, ciência, costumes, ou seja, em tudo. Muita coisa está ficando obsoleta ou irrelevante. Isso me desperta muitas dúvidas, tais como: como substituir o olho no olho, o bate-papo nos corredores, as fofocas ao lado da máquina de café, o clima de alegria nas conquistas do dia a dia, os novos amigos, o aperto de mão, o abraço, a confidência, os namoros (mesmo que escondidos), o crescimento profissional proporcionado por trabalhar junto aos chefes e subordinados, a rapidez nas decisões (por estarem todos, de certa forma, acessíveis), os ganhos com a troca de experiência com as equipes? Será que tudo que fizemos até agora na área de Recursos Humanos não servirá mais? Terá que ser descartado? As empresas do futuro serão apenas um nome com CNPJ e endereço meramente simbólico? É o fim do modelo tradicional de comunicação interna corporativa? O foco será o produto ou serviço, e não quem os produz? As pessoas perderão relevância nas empresas?
Visão, Missão, Valores e seus benefícios, parodiando o poeta Carlos Drummond de Andrade, serão apenas uma fotografia na parede, como era Itabira para ele? O tempo dirá. Mas, como sempre, encontraremos um caminho. Sem dor.
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Antônio Lino Pinto é Diretor do Conselho Administrativo, Fiscal e Financeiro da APP Brasil, consultor de gestão e autor dos livros “Pequenas agências, grandes resultados” (2011), “Abri minha agência, e agora?” (2013), “Gestão em agências de propaganda” (2017) e “Gestão para empreendedores” (2022).
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