ARTIGO: Publicitários Anônimos, Princípios acima de Personalidades
A publicidade tem muito a aprender com um programa de 12 passos, seja ele Alcoólicos Anônimos, Codependentes Anônimos, Comedores Anônimos, Dependentes de Amor e Sexo Anônimos, Devedores Anônimos, Fumantes Anônimos, Mulheres que Amam Demais Anônimas, Narcóticos Anônimos, Neuróticos Anônimos etc. Qualquer uma dessas irmandades que promovem encontros constantes em grupos terapêuticos auto-organizados, e que por meio da escuta do próximo e da autoescuta melhoram a relação dos indivíduos consigo mesmos e com a sociedade.
Boa vontade, honestidade e mente aberta são premissas fundamentais para um trabalho de autoanálise como este, e só quem é diretamente impactado pelas agruras de viver em um ambiente hostil e doente, como a indústria da propaganda, pode fazer essa escolha por uma recuperação de valores humanos que há muito tempo foram perdidos.
Esses programas, formados por 12 passos, 12 conceitos e 12 tradições, se organizam de acordo com o bem comum, e todos que são impactados por ele pensam também no bem comum. Não existe espaço para falta de escuta, carteiradas e egos extremamente inflados, como vemos na nossa área.
Quem você conhece, onde esteve, o que você tem ou o que já fez não importa em nada perto do potencial que é, em conjunto, por meio de uma consciência coletiva, traçar novos rumos e direcionais a que se quer chegar, em grupo, mas sem deixar de acolher o indivíduo.
Nestes mais de 10 anos trabalhando na indústria da propaganda, decidi por vezes não frequentar mais reuniões de board, por não ter estômago para ouvir agressões à condição humana fantasiadas de opinião. Já fui a muitas reuniões em que a hipótese de ser demitido por defender o respeito básico dentro de um projeto era latente, e já tive minha saúde mental extremamente vulnerabilizada por profissionais que continuam com os mesmos comportamentos tóxicos que eram celebrados 30/40 anos atrás. Surpreende ver que mesmo hoje, no nosso mercado, comportamentos como esses ainda são aceitos, ainda causam terror, ansiedade e infelicidade em diversos profissionais, principalmente naqueles que, com as políticas de diversidade, equidade e inclusão, têm conseguido acessar e ocupar os espaços nas grandes empresas de comunicação.
É preciso uma revisão total de comportamento. É preciso um mergulho profundo dentro do que se apresenta hoje para que se comece algum tipo de mudança efetiva.
Depois que ouvi algumas vezes uma parte do texto da 12ª tradição de um desses programas de 12 passos, fiquei com essa reflexão incessante na minha cabeça: “precisamos colocar princípios acima de personalidades”. Precisamos sair das cadeiras e procurar uma maneira muito mais horizontal e autorregulada, enquanto grupo, um processo de escuta real, de construção coletiva para podermos ter a chance de uma vida laboral com menos traumas, cicatrizes profundas e violências gigantescas contra profissionais que só querem contribuir com sua visão e vivência para o registro sensível da história, por meio de sua produção criativa.
Colocar princípios acima de personalidades é saber que, para a construção individual, é preciso ter condições inegociáveis de bem-estar coletivo. É sair da lente de nossos egos antropofágicos para um olhar mais generoso com aqueles que estão à nossa volta. Colocar princípios acima de personalidades é respeitar uma das condições mais óbvias da natureza, em que o todo importa e é muito mais poderoso que o individual. É saber que sozinho a gente não consegue, mas que no coletivo conseguimos alcançar objetivos que nunca imaginamos antes.
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Jef Martins é VP de cultura, diversidade & inclusão da Associação dos Profissionais de Propaganda e diretore no Observatório da Diversidade na Propaganda
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