Boralli: “Meu erro custou e vem custando muito caro”
Diante de acusações e rejeições, a Associação dos Profissionais de Propaganda, solidária a situação, cedeu sua sede para José Boralli conceder a entrevista para o Meio & Mensagem.
Confira a matéria por Bárbara Sacchitiello, publicada na edição desta semana do Meio & Mensagem:
https://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2019/09/09/boralli-meu-erro-custou-e-vem-custando-muito-caro.html
Foto: Arthur Nobre
Contratado para o cargo de managing director da BETC/Havas no Brasil em agosto, José Boralli mal chegou a assumir a função. Após enfrentar uma forte rejeição interna por parte dos funcionários da agência e de receber diversas críticas nas redes sociais, o executivo e Erh Ray, CEO da BETC/Havas, desistiram do contrato de trabalho.
A causa da manifestação contra Boralli foi a mesma que, há mais de dez meses, já havia sido responsável pela saída do publicitário da Africa: um post ofensivo feito em seu perfil pessoal, no Facebook. Na noite de 7 de outubro de 2018, após a apuração das urnas do primeiro turno das eleições presidenciais do Brasil, Boralli postou a mensagem: “Nordeste vota em peso no PT. Depois vem pro Sul e Sudeste procurar emprego. Se liga aí, Nordeste!”.
Após a imediata repercussão negativa, Boralli apagou a mensagem e pediu desculpas. A reputação, no entanto, já estava abalada. No dia seguinte, a Africa comunicou seu afastamento do cargo de diretor executivo de contas. Agora, ao conseguir uma recolocação no mercado, Boralli, novamente, enfrentou as consequências de seu ato.
Diferentemente de sua saída da Africa, quando não quis se pronunciar sobre o assunto, o publicitário – que tem no currículo passagens pelas agências J. Walter Thompson, AlmapBBDO, DM9DDB, Momentum, BFerraz, We e Africa – acredita que o episódio ocorrido na BETC/Havas exige uma postura diferente. Por isso, aceitou conversar com a reportagem de Meio & Mensagem para comentar sobre o acordo desfeito com a BETC e as críticas recebidas. Veja a entrevista:
Meio
& Mensagem: Em outubro de 2018, após a publicação de sua postagem, a Africa
enviou um comunicado à imprensa informado sobre seu afastamento. Como, de fato,
foi encerrada sua relação com a agência?
José Boralli: Essa história toda começou em outubro do
ano passado, quando estávamos esperando os resultados da eleição, na
expectativa se haveria ou não segundo turno. Quando escutei a notícia de que
haveria segundo turno (disputado entre Jair Bolsonaro, do PSL e
Fernando Haddad, do PT) recebi aquele post. Pela minha forma de
pensar, na época, tínhamos a chance de terminar a eleição ali e de fazer uma
mudança que fizesse o País voltar a andar. Quando soube, então, que haveria
segundo turno, em um momento de emoção, reproduzi aquela mensagem em minha rede
social, que é fechada para amigos. Minutos depois de postar, recebi uma
mensagem de uma amiga, dizendo que aquele meu post tinha sido copiado e postado
em um grupo de WhatsApp e que estava gerando incômodo. Na hora, imediatamente
retirei o post do ar, porque realmente não tive intenção de ofender ninguém, e
pedi desculpas. A minha visão, com a mensagem, era muito mais progressista, no
sentido de ‘deslacrar’ o País, para que todo mundo pudesse trabalhar e viver
onde quisessem, no Norte, Sul, Leste, Oeste, sem ter uma concentração. Essa era
minha visão. Meu erro – e admito – foi não ter me dado conta da sensibilidade
da mensagem.
M&M:
Você chegou a considerar a repercussão negativa que a mensagem poderia causar?
Boralli: Não. Não tinha a mais rasa ideia do que
aquilo poderia gerar. Primeiro por ser uma conta fechada, na qual mantenho
pessoas que tem alguma identidade comigo. Nunca fui muito ativo nas redes,
minhas postagens eram divididas entre família, lazer e trabalho. Mas hoje
entendo e aprendi a responsabilidade de projetar a dor das pessoas. Aquilo
gerou uma comoção muito grande, com ataques à agência (Africa) e fui o primeiro
a pensar que tinha um compromisso com o grupo que me empregava e que não queria
prejudicar ninguém. Então, provocamos um afastamento e fui para casa. Saí da
agência e, pela primeira vez, em 25 anos de carreira, fiquei sem trabalhar,
vivendo das minhas economias e, nesse período, fiz alguns trabalhos como
freelancer.
M&M:
Como foi seu processo de aproximação e contratação pela BETC/Havas?
Boralli: Conheço o Erh Ray (sócio e
CEO da BETC/Havas) há 20 anos, trabalhamos juntos na DM9 e temos uma
grande admiração um pelo outro. Ele estava procurando uma pessoa que pudesse
ajudá-lo na gestão da agência e entendeu que, na visão dele, eu poderia ser
esse profissional. Foram quatro meses de conversas, em que discutimos os
valores e as intenções da agência e como eu poderia ajudá-los. Conversei e tive
a provação dos escritórios-sede da BETC na França e em Miami. Em nenhum
momento, durante essas conversas, omiti o meu erro e o que havia acontecido,
até porque as empresas possuem regras muito rígidas de compliance e era preciso que tudo ficasse claro. E
o Erh, como amigo, entendia que a agência seria o local correto para eu
recomeçar a carreira pelo fato da BETC ter uma grande atenção aos temas da
diversidade e tolerância.
M&M:
Os funcionários da BETC foram informados sobre sua possível contratação durante
esse processo?
Boralli: Não tenho a resposta exata sobre isso porque ainda não estava
dentro da agência. Mas acredito que o Erh tenha comunicado pelo menos à
primeira camada de liderança sobre a intenção de me contratar. No dia em que
fui apresentado à equipe da BETC fiz questão de abordar o assunto da post. Não
fugi da questão. Disse que havia cometido um grande erro, magoado pessoas, mas
que havia me desculpado e que o que mais queria era trabalhar e tocar a vida.
Também disse que, quem conhecia um pouco da minha carreira, sabia como eu
poderia ajudar a agência a alcançar resultados.
M&M:
Você chegou a começar na agência de fato? Como foi a sua receptividade?
Boralli: Sim, cheguei a começar.
Recebi carinho de muita gente, que conhecia meu histórico ou que já tinham
amigos com quem eu havia trabalhado. Mas também senti reações negativas de
pessoas que não conhecia. Com isso, conversei com o Erh e disse que tinha vindo
à agência com a intenção de ajudar, não de criar outro problema. Então,
em uma conversa respeitosa, o Erh e eu chegamos a conclusão de que, para não
causar um dano maior à agência, era melhor eu não ficar. Foi uma decisão de
comum acordo.
M&M: Quando você acertou a
contratação com a agência, imaginou que a sua postagem poderia causar problemas
novamente?
Boralli: Claro. Mas tanto o Erh como
eu não julgamos a situação corretamente. E faço um mea culpa porque
não tinha a percepção da reação que poderia causar. Talvez tenhamos avaliado
mal a dimensão disso.
M&M: Houve alguma tentativa de
diálogo e conciliação com a agência para que você ficasse?
Boralli: Entendi que um diálogo,
naquele momento, seria algo muito complexo. Por mais que eu dissesse que errei,
que estou arrependido e que aprendi com isso, acredito que não adiantaria.
Ainda mais porque eu teria um papel de liderança e teria de comandar as
pessoas, o que tornaria essa relação inviável. O que acho que deveria ter
feito, bem antes disso, era o que estou fazendo agora: ter me posicionado
claramente sobre o assunto.
M&M: O que tem a dizer após esse
episódio?
Boralli: Cometi um erro, me desculpei
imediatamente na mesma rede social em que havia feito a postagem. Fui punido,
perdi meu emprego, fiquei mais de dez meses sem trabalhar, com a reputação
destruída, e, na hora que tento voltar ao mercado de trabalho, sou cerceado,
mais uma vez, de exercer meu direito laboral. Uma coisa é meu erro; outra é a dor
e a causa das pessoas, que entram em uma esfera de humilhação pública e
condenação. Preciso me defender disso. Todo mundo tem o direito de não gostar
de mim, mas em relação às pessoas que me criminalizaram, que me chamaram de
racista ou xenófobo, estou exercendo meu direito legal e tomando providencias
judiciais. Contratei um escritório especializado em crimes digitais para
notificar as pessoas que atribuíram a mim crimes que não cometi, pedindo que
elas se expliquem ou apaguem as postagens. Tenho uma análise jurídica que
comprova que a postagem que fiz não é configurada como crime. Não estou, de
forma alguma, menosprezando meu erro, mas não posso aceitar ser considerado
como um criminoso. Se não tomar uma atitude agora, no próximo emprego que
conseguir, as pessoas irão me atacar novamente.
M&M: Você acredita que essa medida
judicial em relação às pessoas que se manifestaram contra você colabora na
reconstrução de sua reputação?
Boralli: Perante a Lei, essa medida é
uma notificação extrajudicial que pede uma explicação. Não estou intimidando
ninguém e todos têm direito de fazer os comentários que quiserem a meu
respeito, positivos ou negativos. O que não posso permitir é que imputem a mim
crimes que não cometi. São poucas as pessoas que, de fato, me acusaram de
crime, mas não irei aceitar que façam isso.
M&M: Embora você tenha o respaldo
de que a postagem não se configura como crime, a mensagem foi ofensiva em
relação aos nordestinos e essas críticas acontecem em um momento em que o
mercado e a sociedade buscam uma postura mais inclusiva e correta – o que gera,
naturalmente, o repúdio às manifestações como a que você fez. O que você
acredita que poderia ter feito de diferente em relação a esse episódio?
Boralli: Como a situação aconteceu em
um momento muito nebuloso do País, achei que era melhor não me pronunciar, na
época, mas hoje não sei se essa era a melhor maneira de agir. Perdi meu emprego
e passei um preço alto de imagem e de reputação. Mas isso me abriu muito os
olhos em relação às diferenças e às dores das pessoas e, por conta desse
acontecimento, decidi entrar na causa e trabalhar pelas melhores práticas do
mercado. Fui chamado, por uma entidade do setor para trabalhar no intercâmbio
regional de melhores práticas e também para dar algumas palestras não com foco
em meu episódio pessoal, mas em como as empresas e dirigentes podem se alertar
em relação à sua reputação e a não cometer erros como eu cometi.
M&M: Como pretende conduzir sua
carreira a partir de agora? Pretende tentar uma nova colocação no mercado?
Boralli: Quero, primordialmente, obter
o que acho que tenho direito, que é a minha reputação para eu que possa voltar
a exercer minha profissão. Quero e preciso trabalhar e sei que tenho
habilidades para contribuir com o mercado. Respeito quem não gosta de mim, mas
preciso também pedir respeito às pessoas. Não há fundamento para que eu
continue sendo impedido de trabalhar. Meu erro não pode ser justificativa de um
erro maior. Hoje, tenho muito mais consciência das dores alheias e de como
podemos machucar as pessoas, mesmo sem ter intenção. Meu erro custou e vem
custando muito caro, mas aprendi muito com tudo.
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